Hoje, um grande problema do Brasil foi a ditadura militar vencer no processo de redemocratização do país. Se por um lado as manifestações populares e a militância do período impossibilitaram a continuidade daquele regime. Por outro lado, os violentos donos do poder naquela época conseguiram fazer sua reabertura “lenta, gradual e segura”. Embora devamos dar todo o mérito devido ao povo pela reabertura, é hora de também olhar para a herança nefasta que o processo nos deixou.
Não somente passaram o poder para a “oposição” que eles mesmos permitiam, ou seja, que não tinha grandes rusgas ideológicas a respeito dos rumos do país (o então MDB, que hoje é o PMDB) como também deixaram profundas cicatrizes em nossa vida civil institucional:
Foram 30 anos de ditadura. Quer dizer que todas as pessoas nascidas de 1964 para frente só conheceram um estado terrorista e foram educadas para serem mais suscetíveis a este terror de estado. Além disso, nas universidades, o exílio e assassinato de professores e estudantes foi um golpe duríssimo, impedindo que se formassem lideranças intelectuais e políticas que pensassem alternativas ao status quo.
E vejam, mal começamos a nos recuperar deste golpe e já querem acabar com as universidades públicas que fomentam a pesquisa de ciências humanas séria e isenta sobre nosso país, para o bem de nosso próprio povo. A má fama dos bacharéis em ciências humanas tem muito de difamação e propaganda contra o bem que queremos ao povo brasileiro.
Some-se isso à uma oligarquia midiática com poder para fazer com os fatos nos editoriais o que os militares fizeram com as pessoas nos porões dos DOI e temos um bom panorama da herança que recebemos: Até hoje não se deixou de fazer nas edições dos grandes conglomerados jornalísticos e nos porões da polícia o que se fazia durante os anos de chumbo.
Então, qual o espanto de serem justamente nos telejornais da grande imprensa e nas ações repressivas da polícia que vemos a criminalização e a repressão das manifestações populares? O espanto talvez só se explique porque nós temos uma visão otimista demais sobre nossa sociedade e seus “avanços democráticos”.
Qual a novidade na repressão aos professores que lutam contra a precarização do ensino? Porque o espanto com os difamarem? Professores organizados sindicalmente, conscientes da força da mobilização, sempre foram um problema. Vai que seus alunos entendem que eles deveriam ter direitos assegurados?
A mensagem é muito clara: As pessoas não podem pensar que têm direitos.
Nenhuma surpresa até aqui, como também não é surpreendente saber que o nosso sistema político é feito sob medida para tirar vantagem deste aparato. E quem sempre ganhou o jogo político nestes 30 anos foi o PMDB: A oposição que a ditadura permitia e confiava, porque era tão somente a voz do poder oligárquico civil.
Infelizmente nossa redemocratização foi como a ditadura militar quis. E parece que a democracia que nasceu após esta ditadura é cria da mesma. Sendo assim, a volta da democracia não foi uma derrota dos opressores, mas um recuo bastante estratégico das oligarquias brasileiras, tanto que hoje, 30 anos depois, eles voltam à carga para retomar concessões que fizeram. Avanços reais que foram conquistados com muita luta.
Me parece hoje que – como bons senhores de escravos – sabem de tempos em tempos mostrar benevolência quando seus servos estão muito agitados, fazendo questão de tratar os direitos mínimos como concessão e condescendência, e ao mesmo tempo que querem parecer bons, espalham discórdia e desconfiança.
É necessário que lembremos da luta contra a opressão a valorizemos sempre – digo mais: entesourá-la – mas não podemos deixar de ver quem realmente venceu naquele movimento histórico. De fato, eles tiveram condições de deixar o país pronto para ser o que ele é hoje.
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