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Ensaio sobre um fato político

19 de março de 2015 0 comments Article Textos Leila Dumaresq

Cid Gomes foi ao Congresso Nacional mostrar “quem é que manda no país” e conseguiu: Quem manda no país é o PMDB.

Não é novidade. Em 2009, o próprio Lula disse que o Sarney não podia ser tratado como um cidadão comum quando estouraram escândalos de nepotismo envolvendo o senador. E se fosse apenas uma declaração, menos mal, mas o PT participou ativamente na tranquila absolvição do então presidente do senado. Vendo este episódio sob a ótica da crise atual, PT coadunou com o PMDB em nome da governabilidade e hoje partes vocais do PMDB não querem mais ser governo, embora o partido tenha a vice-presidência.

(Ao mesmo tempo, essa posição dúbia é a coisa mais PMDB que existe. Se o PT manter-se no poder presidencial, ficará com o PMDB. Se o PT cair, o PMDB ficará com quem ocupar a presidência.)

Creio que Cid Gomes não é homem público de cometer erros que o levariam a perder um cargo importante. Então aposto que ele se viu frustrado em algum ponto relevante de sua agenda política; Com certeza estas impossibilidades têm a ver com o congresso e ele resolveu deixar o ministério ferindo onde dói nos seus desafetos: Na imagem pública.

Cid Gomes sabia que acusações na tribuna não poderiam ser ignoradas pela grande mídia; e nesses tempos de instabilidade política provocada, vejam só, por interesses coadunados com gente apontada pelo já ex-ministro, chamar a atenção para os que fazem jogo duplo no congresso foi um bom golpe. O ex-ministro não quis cair sem causar estragos. Estragos que, eu espero, sejam causados aos planos da direita, pois quem governa o Brasil de fato é o governismo e o partido mais governista da nossa história recente é, definitivamente, o PMDB.

O PT, por sua vez, apostou em fazer um país bom para patrões e empregados e, considerando a origem do partido na prática sindical, não acho absurdo nem nocivo que tenham elaborado essa estratégia. O problema é que o PT avaliou-se muito mal como a melhor estratégia de esquerda porque ele avaliou-se mal como a melhor alternativa para a direita brasileira. O PT foi por doze anos o interlocutor que falava com todas as classes sociais. Exatamente por isso, agora o PT encontra-se “inútil” para um PMDB que vê mais ganhos em trabalhar com as bancadas fundamentalista e da segurança patrimonial, duas bancadas ideológicas e que vivem da propaganda de medo e ódio contra minorias sociais. Ou seja, setores do PMDB já trocaram a política de conciliação pela política de luta ideológica contra as demandas populares. Esta mudança inviabiliza o pacto por governabilidade. Todavia, isso também é natural, pois o que está em jogo é a manutenção de privilégios e não a forma dos acordos políticos.

Ao seu modo, Cid Gomes também quis dizer que o PT é fraco quando aceita acuar-se e em nome de uma governabilidade que não existe mais na prática. E se o PMDB não entrega o que prometeu no acordo é hora chamar a tal maioria “governista” do congresso pra responsabilidade. Foi o que o ex-ministro da educação fez. E assim ele chacoalhou a cena política, o que precisávamos nestes tempos de cartas tão marcadas.

Ele evidenciou que o problema não está só no executivo, mas principalmente no congresso. É preciso que as esquerdas entendam que o PT e sua crise institucional não são nosso maior problema. Também, o problema não é o PT isolado no Palácio do Planalto em nome da tal governabilidade. O PT está isolado por vários motivos e muitos deles foram escolhas estratégicas.

Porém, o sistema político brasileiro é problema nosso; A não realização da constituição de 1988 através das instituições que só existem por ela é problema nosso; Assim como os ataques à constituição e suas garantias pétreas de saúde, educação, trabalho e dignidade para todos os cidadãos são problema nosso; E, princialmente, é problema nosso, das esquerdas, que seja tão difundida a crença que governar em nome das bases é o mesmo que governar com as bases.

A crise do PT — e esta é a minha proposta — é o esgotamento do modelo de representatividade adotado pela esquerda brasileira. A melhor ilustração do esgotamento desse modelo de esquerda não veio do PT, mas foi a afirmação da Marina Silva nas eleições de 2014 que “Chico Mendes foi elite”. Há muitas formas de entender o que Marina quis expressar, mas considerando sua trajetória e a de tantos outros políticos de nosso país, vejo claramente que ela se inscreve em um modelo que valoriza os representantes e seus partidos, deixando às bases apenas o papel de legitimadoras. Hoje, precisamos de bases protagonistas e não mais bases “legitimadoras de protagonismo” para políticos e partidos. Precisamos de uma esquerda com mais bases e menos “elites” intelectuais e políticas.

Precisamos migrar para um modelo que realmente politize as bases e as traga para o processo decisório real. Por isso sugiro que resgatemos o pensamento de Paulo Freire e sua democracia radical, da união horizontal entre bases e seus quadros políticos, nas quais estas diferenças sejam meramente funcionais, e não mais hierárquicas. A bandeira da esquerda precisa ser a da democracia efetiva, direitos civis para todos e igualdade social. Não há uma fórmula pronta, o que precisamos hoje é de um diálogo mais aberto, inclusivo e horizontal. Este diálogo unirá partidos e movimentos sociais numa rede de suporte mútuo. Um jeito novo de fazer esquerda que faça frente aos desafios políticos, culturais e sociais. Precisamos de uma agenda coletiva e de aparatos também coletivos. Os partidos tem que ser do povo de fato.

Sinceramente, eu espero que o PT acorde deste sonho de governabilidade e volte a ouvir seus militantes que são muito bons. Os desentendimentos entre partidos e movimentos sociais precisa ser resolvida com diálogo e não silenciamento. Precisamos unir os movimentos de esquerda, não dividi-los. Precisamos de mais pactos e menos “projetos de unidade”. Temos que trilhar este caminho para encontrar um modo de unir nossa diversidade.

Ao contrário do que muitos fazem crer, a morte política do PT não trará nada de bom para as esquerdas do país. Rejeitar a história do PT como história da esquerda é um desserviço. Nada ganharemos ao “condenar” o PT na história. Na verdade, é isso que a direita também quer, então desconfio desse plano. Este ódio ao PT vem junto com toda esquerda demonizada, o liberalismo mais selvagem e exploratório dilapidando o patrimônio do povo sem ser questionado, os movimentos sociais criminalizados e o direito de odiar garantido. É tudo parte do mesmo plano para a direita.

Viveremos tempos difíceis, e a tão propagandeada “morte do PT” é apenas sinal dos tempos, não sua causa.

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