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Questão 2/2: Não somos tod@s iguais e precisamos aceitar isso

24 de agosto de 2013 0 comentários Artigo Textos Leila Dumaresq

Apresentação das questões

Questão 1/2

Por que discutimos tanto por pontos de vista? Eles são tão diferentes e tão prejudiciais assim? E se o debate é este, qual, dentre tantas alternativas, é o ponto de vista “salvador”? Acho que nenhum. O meu não é. Capengamente, meu discurso segura minhas pontas. Mas é também como eu me empodero. É meu “caminho das pedras”.

E há tantos outros discursos, só dentro do meu nicho transexual, que fica difícil saber quando estou falando por mais alguém além de mim mesma. Há infinitas interfaces entre demandas, sensibilidades, narrativas, ideias e empoderamentos. Acho que isso vale para todas as expressões de gênero.

Quem quiser chamar de “ideologias distintas”, eu aceito. Só peço que os adeptos da perspectiva ideologizante permitam-me ser dona deste texto e não enfocar nem lidar com esta problemática. Quero enfatizar outras coisas:

Vejo surgir no Brasil muitas vozes transgêneras. São muitos discursos individuais. Temos diversidade de ideias e temos ímpeto. Conquistamos os discursos e os argumentos. Agora torna-se cada vez mais urgente conquistarmos algum entendimento entre nós. Então vejamos o que estou chamando de entendimento:

Seria pouco um consenso ideológico. E eu acho violência obrigar esta ideologização. Violência porque reduziria uma existência que pode surgir em qualquer meio à um ponto de vista. Por mais amplo que seja, alguém ficará de fora.

Também seria pouco adquirir consenso teórico. Quase pelo mesmo motivo que a ideologização. Lembrem-se que todo consenso teórico acaba conservadorismo e estagnação. Torna-se o que chamamos na academia pelo termo técnico de “panela”. Pensem um pouco e perceberão isso. Gostaria de ver mais pesquisa de campo e gostaria de ver antropologia de brasileir@s para brasileir@s.

Nada contra nenhum autor e nenhuma pesquisa, nem os estrangeiros. A liberdade acadêmica é suprema. Porém, só nós podemos fazer pesquisa por nós. Os outros só podem fazer pesquisa a nosso respeito. Em ciências humanas, o pesquisador faz toda a diferença. Que as pessoas trans conquistando a academia conquistem também total liberdade de pensamento e encontrem nossa transgeneridade tupiniquim em seus discursos. Permitem-me desejar isso? Não é um sonho ruim. Porém, antes de mais nada, desejo-lhes liberdade e seriedade em seus trabalhos intelectuais.

Então como seria este entendimento? Não sei dizer. Eu só estou diante de um problema extremamente complexo e o partilho:

Acho que temos que voltar a crítica transfeminista ao feminismo não-interseccional para nós mesm@s e perceber quão plural é o nosso movimento: Não bastasse pessoas transgêneras nascerem em qualquer meio, também há a diversidade de identidades. E dentro de cada identidade há uma diversidade de corporeidades e outra de discursos. (E se você não aceita identidades, tudo bem, aceite a imensidão de discursos de empoderamento.) Cada um deles funciona num contexto individual específico.

Vamos aprender isto com a experiência feminista e aceitar a complexidade da questão. Aceitar que não é qualquer fala bem construída que irá resolver o problema. Não será uma ideia, um movimento ou uma tese que salvará nossa minoria.

Também não é o caso de apontar dedos para este ou aquele discurso dissonante. Tão pouco nos lamentarmos pelas pessoas que incorporaram preconceitos demais, ou só alguns. É o caso de criticá-las com amor e respeito. Ter paciência, porque é um privilégio libertar-se do preconceito interiorizado na infância. Escapar deste processo de interiorização é um privilégio maior ainda. Não vejo com bons olhos a mera condenação de discursos que nos parecem não-empoderadores. Algumas vezes eles não nos empoderam, mas empoderam outras pessoas e outras identidades. É difícil ver tudo isso. Temos que ver, ouvir e agir com calma.

Por estes motivos, acredito que interseccionar os discursos e nos enxergar como interseccionais em nossas diferentes identidades é um bom caminho. Expandir os apoios e as experiências de empoderamento. Aceitar os contextos e histórias individuais, as opressões individuais e locais assim como as reações particulares a cada situação. E, principalmente, aceitar que existem diferentes opressões transgêneras para diferentes manifestações transgêneras. É tudo transfobia, não se preocupem, isso não vai mudar em nada. Porém, precisamos parar de nos comportar como se nosso discurso abarcasse a totalidade de experiências de opressão contra transgêneros.

No começo pareceu sandice para mim também, mas quando eu comecei a avaliar criticamente os diversos posicionamentos transgêneros apresentados no programa Na Moral e suas relações com o discurso geral do programa, quando avaliei e procurei minha posição a respeito das diversas críticas elaboradas, percebi que precisei de uma abordagem interseccional para dar conta do respeito às diversas manifestações de gênero. E achei a ideia interessante o suficiente para colocá-la como proposta. Já que temos este problema de compatibilizar um leque de discursos de empoderamento totalmente diversos e dispersos.

Nosso movimento é multi: multi identitário, multi classe, multi étnico, multi ideológico e tudo mais que se possa categorizar em seres humanos, no nosso grupo é multi. Porque pessoas trans nascem em qualquer conjunto de categorias. O que há de comum entre nós: Tod@s transgredimos a cisnorma. Porém, as manifestações de empoderamento e os desdobramentos da mesma opressão contra estas vozes me parece polissêmica. Tanto quanto é nosso grupo. Mais o cuidado que precisamos ter com a intersecção de opressões.

Ando um pouco cansada dessas tentativas de dividir o mesmo guarda-chuva. Começo a duvidar que exista um artefato com esta amplitude. Talvez seja melhor lutar para que cada um tenha o seu. Que cada um tenha sua proteção adequada para sua situação. Acho que temos que seguir o mesmo caminho do feminismo interseccional e não só. Também aplicar este conceito de interseccionalidade à diversidade de discursos transgêneros. Isso significa parar de buscar uma concordância nos discursos e parar também de disputar espaços para os discursos, mas começar a procurar dividí-los.

Sei que isto não é toda a solução, mas me pareceu um bom começo de estrada. Vou dar meus passos por este caminho, mas não sou tão loba solitária que não aceite de bom grado companhia e movimento nesta estrada.

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