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De uma pequena labareda para o grande incêndio: O contexto de declarações difamatórias

31 de março de 2013 2 comentários Artigo Textos Leila Dumaresq

De ontem para hoje a assessoria de imprensa da banda Calypso afirmou em nota que a tal “revista de circulação nacional” (sic) distorceu as palavras da Joelma. Qual foi a distorção? Joelma teria apenas relatado que gays da sua igreja, procurando mudar sua orientação sexual sentem-se como drogados em recuperação.

Como de costume repenso meus argumentos diante de informações novas. Desta vez não preciso retificar nada. O fato dos homoafetivos que aderiram à mesma fé da cantora sentirem-se errados e viciados apenas mostra que minhas considerações sobre a opinião em questão estão corretas. Além disso, já disse que as opiniões da Joelma são problema dela e dos membros de sua comunidade religiosa.

Portanto, continuo denunciando o autoritarismo da pessoa que deseja refutar um direito civil utilizando uma opinião baseada em fé pessoal. Também denuncio a irresponsabilidade de quem apresenta como única uma alternativa dolorosa e patologizante quando há pessoas vivendo de modo saudável e feliz a mesma condição.


Joelma comparou os homossexuais com drogados, disse que eles precisavam de “recuperação” e por fim afirmou que tais afirmações não foram uma ofensa. Ela pensa que bissexuais, lésbicas e gays têm uma sexualidade doente, ou como ela fez-se entender, viciada. Isto indica que para ela o sofrimento das pessoas não-heterossexuais provém de sua própria afetividade. Claro, ela está enganada: Todas as afetividades são tão saudáveis quanto a que Joelma pratica, sem ser questionada, porque ela é heterossexual.

É um bom momento para refletir o que as pessoas consideram “opinião”. Pergunto: No que as opiniões de Joelma estão erradas? Em primeiro lugar, deveria pesquisar mais sobre o assunto antes de aderir a uma opinião tão contundente. Ela parece não ter ponderado suas palavras, nem as consequências da aplicação de sua opinião. Sendo leiga no assunto, apoiou a patologização de uma parte da população. Chamou pessoas de doentes sem ao menos relativizar a questão. Ela parece sentir-se no direito de ofender os outros. Também não mostra entendimento das consequências em discriminação e segregação para as pessoas das quais ela fala.

Enfim, Joelma foi muito irresponsável. Ela desconsidera totalmente o discurso médico, histórico, social, antropológico e político e baseia-se apenas nos ensinamentos que recebeu em sua igreja. Em sua inocência opinativa não dá-se conta do seu autoritarismo teocrático nem ao menos consegue assumir responsabilidade por suas declarações nocivas. Ela ignora o conceito de difamação.

É muito grave esta noção de “opinião” que a Joelma ostentou: Ela não pode outorgar-se o direito de difamar pessoas por conta de sua “opinião”. De fato, ela pode “condenar em sua moral religiosa” os homossexuais. Porém isso é algo dela e dos homossexuais de sua igreja. Eles podem até afirmar isso em público, mas sabendo que no debate público é necessário seguir o decoro cívico. Não podem ofender cidadãos com base em opiniões fundamentadas uma fé específica. Isto já é criminalizar pessoas que discordam da fé. É também permitir que religiosos pratiquem assédio moral contra pessoas. E há um crime para isso: Proselitismo religioso.

Por que não podem? Simples! Porque Joelma não quer que outros possam fazer o mesmo contra ela. Porém, o debate público no Brasil anda permissivo demais. Nossos argumentos estão muito pobres e só as “opiniões” contam. Neste cenário os demagogos regozijam-se.


Evangelizar não é isso que a Joelma fez, nem o que temos visto pelo noticiário político recente. É bem mais difícil! É necessário amar o próximo como ele é. Além disso, Cristo não escreveu nada. Os apóstolos eram pessoas simples e naquela época ser simples era quase sempre ser analfabeto. O que é sagrado santifica. Seja o livro ou as palavras nele contidas só santificam se as ações das pessoas forem santas.

Agora eu estou calma, mas quando eu me desespero de sofrer agressões, blasfemo e ofendo a fé cristã. Não queria, mas algumas vezes é insuportável, porque estão usando esta fé para me atacar! Os cristãos que estão gritando mais alto são os que utilizam seus símbolos e livros sagrados para ofender, humilhar e odiar. Eu sofro com isso, como posso não me revoltar de tempos em tempos contra estes ataques?

Quero respeitar toda religião, este é o meu espírito laico. Quero poder conversar tranquilamente com as pessoas e conhecer seus modos de vida. Aceito ser convencida, mas não coagida. Quando as pessoas sentem-se autorizadas a me segregar, discriminar, patologizar e condenar, revolto-me; E com justiça.

Justificadas ou não, peço desculpas pelas eventuais ofensas, mas também peço ajuda dos cristãos. Os ataques precisam acabar!

Onde estão os cristãos que vão defender sua fé de amor? Eu sei que sou vítima de uma visão deturpada do cristianismo. Sua religião de amor é hoje usada para humilhar, maltratar e segregar! Se ela é sagrada para vocês. Se o amor ao próximo é realmente sagrado para vocês, façam alguma coisa. Seu silêncio já tornou-se conivência e cumplicidade faz muito tempo.


É urgente que aprendamos a não ofender. Nem as roupas, nem o comportamento, nem a religião, nem a profissão, nem a expressão artística da Joelma servem para desmerecê-la. Eu também perco a cabeça de vez em quando, mas não podemos nos acostumar a perdê-la sempre. Apesar de sua influência persuasiva sobre os fãs, mostrei como as afirmações da Joelma são a repetição de um discurso autoritário que precisa ser combatido muito mais que a pessoa. Ofendê-la só enfraquece nosso próprio discurso.

Quando nos atemos aos emissores de mensagens perdemos o foco do contexto político e das ações mais importantes. Muita coisa depende da articulação da população que luta por um estado civil de direito no Brasil. É urgente que nos unamos também pelas culturas e religiões indígenas e africanas que nosso país abriga; Pelos Ateus; Pelas mulheres; Pelos direitos de gestantes sobre seus corpos; Pela igualdade de direitos para todas as expressões afetivas e todos os gêneros trans; Pelos cristãos republicanos e esclarecidos.

Temos que criar uma grande frente pelos direitos civis neste país. Em 2014 não votaremos em teocratas e nos que ficam em cima do muro. Pelo contrário, faremos campanha por quem deseja uma país igual para todos em todos os estados.

Unamo-nos, republicanos!

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2 comentários

  • Esther Pereira 1 de abril de 2013 em 11:37 - Responder

    Oi Leila!!!Mais uma vez vc vai ao cerne da questão de forma clara e objetiva,parabéns!!!Só o que me desanima é que o tipo de repetição sem questionar, se sequer pensar realmente naquilo que se está repetindo, vem de uma coisa que não é só da Joelma mas da grande maioria, que quer segundo as palavras de uma neurocientista que esteve recentemente sendo entrevistada no programa Roda Viva da Tv cultura!(não me recordo o nome dela) que recebe varias msgs de pessoas querendo que definam e resolvam seus dilemas em uma frase que em geral elas se dispõe a sair repetindo, como a solução de todos os dilemas!!Ou seja as pessoas em geral não quere4m pensar querem alguem que pense por elas!!

    • LeilaDumaresq 1 de abril de 2013 em 11:42 - Responder

      Verdade Esther. Temos que pensar cada questão colocada. Encontrar soluções não é fácil, ainda mais quando isso envolve enfrentar interlocutores mal preparados ou mal intencionados. Porém, não vejo outro jeito. Perder a cabeça parece que só está piorando a situação.

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