Este texto é meu comentário das más notícias políticas que chegaram hoje.
Estou usando a palavra ‘direito’ para referir-me aos princípios de direito, como a igualdade; a própria noção de direito humano; e de sujeito político. Não utilizo aqui o conceito de “direito como norma”. Não é disso que estou falando. Normas podem mudar.
Hoje vejo-me num daqueles posteres de açougue, com as partes da minha cidadania separadas por linhas pontilhadas e numeradas para referência de preço. Os partidos de esquerda querem fazer jus à orientação política? Então que realmente sejam do povo.
Eu e a Samie estamos no movimento transfeminista e já nos acostumamos a sofrer apagamento. Temos nossas demandas colocadas de lado por qualquer razão política menor. Porém, é uma questão humanitária e de princípios nos empoderar. Somos seres humanos e onde valerem direitos humanos nós teremos direitos iguais.
Quem já tem direitos negados sabe de cor o que falarei, mas é muito importante todas as pessoas entendam. Seus direitos também dependem disso:
Se o direito é negociável ele não é um direito, mas é uma benesse concedida por quem você empoderou para negá-lo. Isto vale para qualquer um: Indivíduo, grupo, movimento social, partido ou estado.
Então, ao escrever estas linhas estou apenas sobrevivendo como ser humano. Só me resta afirmar que meus direitos não são negociáveis por ninguém. Caso contrário sou escrava e me faria propriedade se permitisse que alguém suspenda meu direito por qualquer motivo.
Saibam vocês, que têm uma cidadania um pouco mais plena: Se podem fazer isso hoje comigo e com a Samie, amanhã só restarão os seus direitos para barganhar. Aprendi rápido como transfeminista que a única dignidade real é esta: Não me vender. Então eu nunca vou aceitar esse tipo de negociação. É admitir que eu sou sub-humana. Podem negar-me direitos, mas só vão tirá-los de mim se eu mesma negá-los. Eu não farei isso.
É um erro pensar que uma agenda de demandas linear dá conta de uma sociedade complexa. As demandas têm que ser tratadas em paralelo ou não estamos permitindo que a sociedade participe e autorregule-se na sua pluralidade.
Também não somos oniscientes e nossos projetos para melhorar o coletivo não são perfeitos. Mais um motivo para ouvir as críticas contra as nossas ações políticas. Pessoas não são meros recursos de um projeto político, seja ele qual for. Pelo contrário, só são bons os projetos políticos que empoderam os sujeitos de direito.
Só temos a dignidade que gritarmos. Este grito é nossa luta e herança. Viemos do nada e da total marginalização. Já tivemos que ser patologizadas e fetichizadas uma vez para existirmos. Isto não foi uma barganha, nos foi imposto. Mas este tempo está passando. Então, em nome do sacrifício das pessoas que lutaram antes de mim e pela urgência das mais vulneráveis: Não aceito ser apagada em nome de uma manobra política. Neste ponto não interessa mais o jogo de poder porque eu não sou escrava. Não tenho outro poder além de resistir, mas este poder basta para manter a minha dignidade. Sei que posso contar com as transfeministas. Nunca estivemos nesta briga pela vitória certa, mas porque ela é a única dignidade que temos de fato.
Deixe uma resposta